Atenção: todas as imagens de pacientes e/ou casos clínicos publicados neste blog, estão autorizados, verbalmente e por escrito, pelo próprio paciente, dentro das normas do código de ética médico e odontológico. Eventuais exibições de rostos dos pacientes também está autorizado e é do seu conhecimento.

MOACIR SENSEI: MINHA HOMENAGEM AO LEGADO DE UM GRANDE HOMEM


Moacir Sensei: 07/02/1952 - 13/07/2013

Nestes quase 3 anos de existência do blog, atualizado, diagramado e produzido de forma totalmente independente, criamos uma ferramenta de informação e divulgação importante da especialidade, atingindo quase 70 mil acessos no período.

Durante todo este tempo, nunca fugimos do tema fascinante que é a Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Até o dia de hoje.

Interrompo a série de postagens científicas para prestar a minha singela homenagem a este grande homem que foi Antônio Moacir Quevedo, muito mais que um mestre do Karate, mas também um irmão, um amigo, um pai.

Talvez, aqui nesta ferramenta científica, poucos saibam que sou praticante desta arte e estilo de vida há quase 25 anos – uma de minhas preocupações, até hoje, era não me expor. Talvez poucos saibam que esta prática é uma das grandes responsáveis pelo equilíbrio na minha vida, dosando com maestria momentos por vezes felizes, por outros nem tanto, e contribuindo para mesclar em porções perfeitamente compatíveis minha vida pessoal com a profissional, no verdadeiro campeonato que é a vida. E talvez poucos tenham sofrido mais do que eu com a passagem do Sensei Moacir, como todos o tratavam, justamente por ter me aproximado muito dele nos últimos anos, e por tê-lo acompanhado durante todo o percurso de sua doença, tentando, de todas as formas, subsídios para salvá-lo em seus momentos finais. A dor é maior, já que em nenhum momento pensei que poderíamos perdê-lo.

A família Butoku kay está de luto

Tudo começou com o “Campeonato Citadino de Karate” de Uruguaiana, em meados dos anos 80, quando, com 9 para 10 anos, atraído pela veiculação do torneio na RBS TV, no auge do filme “Karate Kid”, resolvi entrar para o esporte, buscando defesa pessoal, fama, status e alguma confusão.

Exame para faixa vermelha

Exame para faixa vermelha

Recebendo a faixa roxa de Elvis Sensei, 1992

O que não imaginava, era que a filosofia do Karate-do (caminho das mãos vazias) nada tinha a ver com esporte, briga de rua ou confusão, mas com um estilo de vida. Estilo de vida com preceitos baseados em respeito, hierarquia, disciplina e educação. Baseado no Budo.

Com seu jeito sisudo, brigão, disciplinador e por vezes violento (ao estilo japonês), com um falso sotaque carioca, de um gaúcho que morara por muitos anos no RJ praticando a arte, 6º Dan de Karate estilo Shotokan, o idealizador da Academia de Karate Butoku Kay (com Y) - derivação da Associação Butoku Kai de São Paulo, (de Ito Sensei) -, Sensei Moacir foi o responsável por fazer com que o Karate-do entrasse definitivamente na minha vida. Note que uso a palavra Karate sempre acompanhada de DO: o caminho.

Reportagem veiculada no Jornal Zero Hora

Este homem de personalidade forte, colecionador de inimigos na mesma proporção em que cativava admiradores, exigia muito dos seus alunos e seguidores. Pude perceber, desde o princípio, que a exigência não era exclusivamente na parte técnica. Éramos insistentemente cobrados e treinados para sermos retos. Íntegros. Respeitosos. Humildes. Éticos. Sérios. Honrados. Disciplinados. Em suas palavras, campeões não no karate, mas na vida. Aluno com notas baixas não entrava no Dojo (local dos treinamentos).

No infinito saber de um homem muito culto, viajado, bem informado, de papo agradável e interminável, um Samurai (guerreiro japonês) não se aperfeiçoa para lutar - luta para se aperfeiçoar. De uma profundidade impressionante. Da mesma profundidade com que repetia, como religião, que o kata (formas) é mais importante que o kumite (lutas), pois lapida o espírito e o caráter...

Sensei com o kata Jitte, o seu predileto:


Kata, comigo à esquerda, Moacir Sensei ao centro e Alexandre Brittes à direita (primo e excelente Karateca), 1994

Com suas metáforas, ensinava a sermos perseverantes e não desistirmos nunca: “Se um Samurai perde um braço, luta com o outro. Se perde os dois braços, luta com as pernas”. E se perdesse as pernas? – perguntava. “Luta com os olhos!”.

Na sua luta para fazer-nos crescer como pessoas, na romântica forma de ser do Karate-do, lições de hombridade e de caráter: o pior inimigo somos nós mesmos. Antes de derrotar o inimigo, derrota a ti mesmo. "Olha no olho do adversário e o derrote pelo olhar de teu guerreiro interior!"

E assim, inconscientemente, moldado pelos preceitos do respeito ao próximo, fui crescendo na hierarquia da academia, e também na vida. Sem dar-me conta, as coisas foram acontecendo em minha vida pessoal e profissional.

12 de julho de 2013: dia muito triste para os Samurais da Butoku kay

Inúmeros torneios e campeonatos, em várias cidades pelo interior do estado e fora dele, seleção gaúcha, bicampeão gaúcho - sem nunca esquecer da filosofia do Karate-do, em que troféus e medalhas são meros detalhes para o auto-conhecimento. Era nos campeonatos que Sensei voltava a ser criança. A alegria no seu sorriso transparecia para comprovar mais uma de suas lições: “Dentro do Dojo, eu sou o mestre, o Sensei. Fora dele, eu sou o amigo, o pai”. Quantas viagens no ônibus “Princesinha do Agreste” (lembra da Tieta?)... Quem não se “comportava”, era obrigado a “pagar” flexões no chão do ônibus em movimento.

Durante muito tempo, a Academia Butoku kay foi temida no estado e fora dele

Campeonato estadual, 1992

Torneio Regional em Uruguaiana, anos 90

Equipe sendo treinada para torneio

Campeonato em Uruguaiana, início dos anos 90

E se ele descobria que havíamos brigado na rua? Castigo por uma semana. Separado do grupo, exercícios que ao mesmo tempo em que feriam fisicamente, modelavam uma personalidade em formação. Aconteceu comigo.

No início, nos espelhávamos nos atletas mais antigos: Vinício, Élvis e Martha. Chegar na faixa preta, como eles, era algo inatingível... Com o tempo, fomos percebendo que Sensei mais uma vez estava certo: a faixa (obi) serve apenas para amarrar o Karate-gi (kimono). No Karate ortodoxo do Japão medieval (Ilha de Okinawa), só havia três cores de faixa: a branca, a marrom e a preta. Na simbologia deste culto, milenar e fantástico povo, conforme a faixa branca, ao longo dos anos, sujava (já que ela, por representar a alma do guerreiro, não se lava), tornava-se marrom. Mais alguns anos de aprendizagem, e ela tornava-se preta. O auge, no entanto, era quando, depois de décadas, gasta pelo uso, ela perdia sua cor, tornando-se novamente branca... Quanto mais se aprende, mais se tem consciência de que não sabemos nada!

Maracanãzinho, 1988 - Equipe Uruguaianense Campeã Brasileira: Sensei, 3º atleta, mostrava essa foto com orgulho

Elvis Sensei e Moacir Sensei em apresentação com katana

Com karatecas da primeira geração da Butoku kay: Martha e Elvis, acima e à direita
Moacir Sensei com Mário Momoi
Atletas Campeões da primeira geração da Butoku Kay

Os castigos chatos e dolorosos, com longos exercícios físicos, muito suor e esforço, serviam para ir moldando meu caráter. Aos poucos me tornava um verdadeiro Karateca. Os ensinamentos de um ex-fuzileiro naval estavam agora incutidos profundamente na minha alma. Aquele ex-fuzileiro, o mesmo acostumado com os horrores do campo, mas que tinha pavor das minhas fotos de cirurgias. Um ser controverso, com uma relação de amor e ódio com os filhos e as muitas mulheres, me tomou como um confidente nos últimos anos de sua vida, me emprestando uma confiança que até então eu desconhecia.

Sensei com seu filho Matheus, início dos anos 90

 Os muitos segredos comigo compartilhados, que por respeito não revelarei, seguiam estritamente o código Dojo-kun (mandamentos da da arte marcial e da academia), que humildemente recitamos, nós, seus alunos, no seu leito de morte, como uma forma de respeito póstumo para aquele que moldou muitos cidadãos de caráter ao longo de quase 4 décadas de ensinamento de Karate-do:

- esforçar-se para a formação do caráter
- fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão
- criar intuito de esforço
- respeito acima de tudo
- conter o espírito de agressão

Dojo-Kun: filosofia à ser seguida

Veja com que classe a filosofia oriental condensa perfeitamente todo um código de conduta necessário a um homem de bem em apenas 5 frases!

Sensei ensinando o Dojo-kun aos jovens

E para não dizer que seu legado com preceitos do Dojo-kun ficaram apenas no papel, vejam este episódio comigo acontecido: em um campeonato em Santiago-RS, me apresentei contra um colega da arte, na modalidade kata (formas combinadas). Me apresentei perfeitamente, mas, por falta de arbitragem, haviam dois professores da academia do adversário como juízes, que obviamente “puxaram” pelo seu pupilo. A disputa ficou empatada, e o desempate era com o juiz central: Moacir Sensei. Cinco segundos de hesitação. E a bandeira foi levantada em favor do adversário. Cego de raiva, adolescente, fui chamado por ele a um canto: “O karateca deve ser humilde. Reconheça que se houve motivos para haver dúvidas, você ainda não está preparado para superar o adversário. Treine mais para não deixar dúvidas. Deixe sua raiva na Makiwara." Que lição!

Anos depois, já adulto e amadurecido, finalmente pude entender o recado. E com a graça de Deus pude relembrá-lo do episódio, antes que ele se fosse desta vida, ocasião em que rimos muito.

O idealizador do “Projeto karate Além do Esporte”, em parceria com o governo do Estado do RS, que disponibilizava seu tempo a ensinar centenas de jovens de 7 a 17 anos em situação humilde a ser alguém na vida, gratuitamente e com distribuição de cestas básicas, era ao mesmo tempo um ser excêntrico e folclórico.

Projeto Karate Além do Esporte, que levou disciplina e educação, além de cestas básicas, à centenas de jovens

Por ocasião da Renovação do Projeto Karate Além do Esporte, com Prefeito e Secretários Municipais

Sensei com equipe do Projeto Karate Além do Esporte

Apreciador de um assado de vazio, de uma língua bovina com ervilhas e de carne de ovelha, era um fanático por carnaval. Árbitro de carnaval de rua, destilava toda sua cultura e sabedoria no agogô, sorvendo um Malbec argentino ou, com frequência, o seu “chazinho” predileto: um “cowboy” de Red Label. Pena que “não havia Cristo” que o fizesse abandonar o maço diário de Marlboro! A fortaleza não se terminava, ainda que com imprevistos no caminho, como o incêndio que destruiu a primeira academia, nos anos 90, consumindo muitos dos troféus conquistados ao longo dos anos, inclusive meus.

Carnaval: uma das paixões de Moacir Sensei

Pelas manhãs, acordava com o chimarrão e as palavras-cruzadas da Zero Hora e do Correio do Povo, e ciceroneava com conversas intermináveis quem o visitava no seu “cafofo”: a vida era muito curta para perder tempo com bobagens. Ele estava mais certo do que nunca: meus primeiros porres foram de saquê, em sua companhia – quem dera soubesse que esta convivência seria tão curta!

Os anos se passaram. Por motivos nobres (estudo), precisei me afastar do Karate e de Sensei. Durante longos 11 anos, vivi em Porto Alegre, estudando, me especializando, depois trabalhando. Cresci, intelectualmente, culturalmente e pessoalmente. Namorei. Noivei. A cada retorno à cidade natal, visitas ao Sensei, que parecia mais distante. Convidei-o para minha formatura em Odontologia, sabedor de seu orgulho em formar atletas da vida. Ele não compareceu.

Voltei à terra natal, já formado, com a Residência em Cirurgia concluída, para, graças em grande parte a ele, percorrer uma carreira bem sucedida. Retornei também ao Karate-do.

Ao receber finalmente a faixa preta após tantos anos, outra lição: “Você sempre foi um faixa preta. No Dojo e na Vida. Esses longos anos de espera (16) foram apenas um teste de perseverança. Esta faixa na cintura não muda nada. Usa com sabedoria!”. Interpretei esse reconhecimento como uma escalada na hierarquia da academia, já que, após longos anos afastado, havia alunos que me ultrapassaram na graduação. Mesmo assim, ele fez questão de me colocar num patamar de liderança.

Exame para faixa verde, Colégio Santana

Algum campeonato, em Uruguaiana

Pátio do Colégio Marista Santana, primeiro endereço da Academia, 1993
Academia no novo endereço, após o incêndio, 1994
Exame para faixa vermelha. Anos 80. Moacir Sensei ao fundo
Campeonato em Porto Alegre, 1991
Exame pra faixa marrom, 1994
Equipe Campeã Estadual de 1992
A partir do meu retorno e da faixa preta, nossa relação mudou muito, ficando extremamente próxima. Ele me deu uma liderança dentro da academia que eu absorvi naturalmente, embora não soubesse que a tinha. Sensei confiava profundamente em mim, em meu caráter. Respeitava-me como profissional, no entanto sempre me orientando para que “não subisse para a cabeça”. Os anos de convivência, a ponto de fazer com que reconhecesse meus passos ao entrar no Dojo, fizeram que Sensei perdesse a rigidez: cada vez mais emotivo, finalmente transparecia seu lado doce. Os treinos já não eram tão puxados, os castigos já não eram mais físicos. A gana por torneios e campeonatos já não existia. Era estranho. Permaneciam, no entanto, as noções de disciplina. Sensei tornou-se um confidente. Estreitamos a amizade. Quantas e quantas vezes, em finais de semana, sentei à sua frente como um bom ouvinte, tentando dar conselhos que um dia eu havia recebido? Aquela imagem de rocha intransponível já não era verdadeira: Sensei era tão frágil como qualquer um. Fica a pergunta: por que me escolheu para confiar seus segredos? Será que não era mais um dos infinitos testes de um homem multifacetado, que aprendi a reconhecer nas entrelinhas? Os anos de ensinamento, com noções de hierarquia e respeito, não me faziam relaxar. Sempre com “um pé atrás”, o tratando como “senhor”, transferindo o respeito com que eu aprendera a saudar com um “Oss” ao entrar e sair do Dojo, eu ainda não queria reconhecer que ele realmente me tratava de igual para igual, não mais na relação Sensei (professor) e Seito (aluno), e sim como um AMIGO!

Com Sensei na Academia Butoku kay

Sensei, eu e um grande amigo, Samurai, faixa preta 3º Dan Maurício Menegaz

Filosofia karate-do



Com minha esposa, num dos dias mais felizes de minha vida: graduação para Shodan
Nos últimos anos de sua vida, tendo o privilégio de ser pessoa de sua confiança, me tornava, a partir daí, também um espelho aos alunos mais jovens. Eu deveria ser exemplo para o que eles seriam no futuro: manter a postura, no Dojo e na vida. Assumir o verdadeiro papel de um Senpai. Quantos treinos precisei “puxar”, quando ele tinha algum compromisso ou problema? Perdi a conta. Mas, metódico que era, sempre deixava a aula organizada e pronta. Se não pessoalmente, por torpedo no celular, alguns guardo ainda hoje.

Torpedo enviado por Sensei, orientando sobre as aulas a serem dadas
Era um homem que amava profundamente seus filhos, embora períodos de afastamento. Muitas vezes pedi encarecidamente que se reaproximasse deles. “Deixe o orgulho de lado!”, eu lhe dizia, repetindo o mantra que tantas vezes havia escutado dele mesmo. Fico feliz que isso aconteceu no fim de sua vida. Apaixonado por suas mulheres, entregava-se com sofreguidão a cada novo amor, abandonando-os ao menor sinal de um novo rabo de saia.

Não perca um minuto de sua vida, é o que penso. Em meu casamento, prestei a homenagem, ainda em vida, no telão da recepção: soube mais tarde, e somente após sua morte, que seus olhos encheram-se de lágrimas naquela noite. A ternura com que sempre perguntava por minha esposa comprova que o homem de ferro havia transformado-se em algodão: Sensei tinha orgulho de meu sucesso na vida, eu soube, ao entregar-me, por escrito, palavras profundas, escritas em conjunto com meus irmãos de Dojo, como presente de casamento. Hoje penduradas na parede de minha clínica.

Noites de Sushi, seguidos por um bom charuto cubano. Conversas sobre bons livros. Jantas em Paso de los Libres. A viagem pra Rosário, na Argentina, acompanhando um campeonato e um curso técnico, no seu perfeito castelhano. O Sensei que eu conhecia definitivamente era humano. Escolheu, como um monge tibetano, viver isolado em seu próprio espaço. O mestre que ensinava que sem luta e dor não há glória, tinha também medo da morte! Já a admitia, deixando instruções específicas para que cuidássemos de tudo após sua partida: os "Generais" da academia deveriam mantê-la funcionando. Que ironia! Aquele mesmo que tratava a dor de um exercício com jocosidade: "Isso dá dois dias antes de morrer!". O homem rude que ensinava o caminho das mãos vazias, emocionava-se com um simples presente como uma faca de churrasco (que mandei gravar com seu nome)!

Sensei e seu lado cômico, em viagem à Rosário, Província de Santa Fé, Argentina

Monumento em Rosário, Argentina

Árbitros da Copa Butoku kai, em Rosário, Argentina

Sensei tendo ao fundo o Monumento à Bandeira em Rosário, Argentina

Sensei ao centro do Monumento à Bandeira, com a pira ao fundo - Rosário, Argentina

Noite de Sushis e charutos robustos cubanos, depois de um bom treino

Sensei com Kako (Ricardo Alves), outro grande Samurai com quem tenho o privilégio de conviver

Sensei em noite de Sushi, momento extroversão e conversa fiada - ele adorava ser o centro das atenções!

A faceta hipocondríaca de Moacir Sensei estava cada vez mais frequente. No início, hilária. No final, preocupante. No dia anterior à sua internação final, pedi que me visitasse no consultório, para, numa jogada suja, tentar que seu ânimo melhorasse. Mostrei os quadros na parede, entre eles a carta que me entregara no casamento, que dizia, entre outras passagens: "São pequenos conselhos que são dados àquele a quem temos como irmão. E que se deseja a um irmão senão felicidade? De coração para coração, é o que se quer nos dias de hoje. Orgulhosos estamos. Por fim, cabe lembrar: o sucesso na vida é encontrar paz e harmonia. É justamente a primeira coisa que aprendemos, ao vestir o Do-gi: Heian. É o que realiza um homem. Não é dinheiro, por si só. Não é fama, não é poder. É a tranquilidade que se carrega no espírito."

Carta entregue pela família Butoku kay por ocasião de meu casamento, hoje pendurada na parede de meu consultório

Ele me presenteou com limas, retribuindo o almoço que lhe levara para cuidar que estivesse bem alimentado, em face da progressão da doença. Limas que viraram um drink em homenagem ao homem que me ensinou que a vida tira tudo, menos o conhecimento!

No dia seguinte, o homem cada vez mais humano, que estava radiante pela nova convocação para arbitrar o mundial de karate em Liverpool, foi internado para não mais acordar. Assim, sem despedidas. Certeza de que ele reconhecia a devoção que eu tinha por ele e que reconheceria o esforço que fizemos para salvá-lo. Aprovaria a limpeza que mandamos fazer no Dojo esperando a volta que nunca aconteceu. Que agradeceria as conversas que tive ao pé de seu leito na UTI, diariamente, durante os 8 dias de sua internação, na esperança de que aquele homem forte, desacordado, levantaria como num passe de mágica, para ensinar outro bunkai.


O telefonema na madrugada pôs fim às esperanças daquele que não queria morrer sem conhecer o nipônico Monte Fuji, embora as duas viagens ao Japão para arbitrar mundiais - além de campeonatos em Milão, no México, em Mar del Plata... Pôs fim à formação de talentos, gerações de jovens que lembrarão de Sensei como um formador de campeões na vida.

Assim me lembrarei, firme como rocha inabalável (como ele queria), do legado de um homem que dedicou uma vida ao Karate. Que me ensinou que a técnica vence a força. E que o espírito vence a técnica. Vai deixar saudades, mas tive o privilégio de conviver profundamente com esse homem sábio, com uma missão curta, porém intensa. Que reconheceria o valor que eu lhe dava como um segundo pai, me quedando até os últimos minutos junto dele, ajudando a carregar o esquife, e já no túmulo, com lágrimas nos olhos: “Vai com Deus Sensei”!

Os princípios filosóficos do Dojo-kun ficam estampados no túmulo, para a eternidade

Domo arigato gozaimasu Sensei! Banzai Moacir San! Deve estar contando alguma anedota, ou ralhando por um movimento mal feito, ensinando algum kata, cheio de si, ou bebericando o seu “chazinho” junto com um Marlboro, pois, como aprendi nestes tantos anos, um Samurai não morre. Desaparece.
ATUALIZAÇÃO (2022) - dia dos finados, a saudade segue grande, 9 anos depois

17 comentários:

  1. Meu amigo, emocionante teu relato, disseste tudo em tão poucas palavras, não sei se sabes , mas comecei no karate, junto com ele no idos de 1975 no clube Jequia Iate clube, com o professor que também era fuzileiro, cabo Lima, um natalense de 1,90m, forte como um touro, exigente, quando la cheguei, assisti o exame do Quevedo, pra faixa vermelha, ficamos amigos, depois o tempo nos separou, quando voltei pra Uruguaiana, diversas vezes me convidou para voltar a treinar, até que em dezembro de 93, fui treinar com vocês no Santana, mas pra tua informação, a primeira academia, começou funcionando na rua sete de setembro, onde hoje é a loja Buenos Aires, um amigo meu começou ali. Tivemos uma divergências ha alguns anos, e mal nos falávamos, ou cumprimentávamos, mas sempre que fui consultado por alguém sobre o conhecimento dele, disse e continuo dizendo.Foi e sempre será o melhor sensei de KARATE-DO, que nosso estado já teve. OSS.

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    1. Lemes obrigado, fiquei e estou muito sentido de verdade. Se não me engano a academia na 7 funcionou por muito pouco tempo, acabei não citando no texto. Sabia das divergências de vocês, ele me confidenciou. Sabemos também que o homem tinha um gênio difícil. E que lindo vc expor isto aqui. E mais lindo ainda vc estar presente no funeral, obrigado pelas palavras que me disseste lá. Concordo com tudo que vc disse. Não é a toa que, apesar da butoku kay não participar de campeonatos a anos, ainda é temida e respeitada. OSS

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  2. Olá Fabiano... Excelente homenagem que me deixa muito feliz. Tive o privilégio de ser instruído por Moacir Sensei na década de 80 e, inclusive tenho meu certificados de verde e roxa assinados por ele. Além de cursos que fiz. Lamento junto com você a perda dessa figura ímpar, de personalidade forte e que você soube descrever com muita propriedade. Assim como você sempre deixei claro que devo ao Karatê-do tudo o que conquistei na vida (inclusive me formei em Odontologia como você na UFSM em 1999 - tendo alcançado no mesmo ano o grau de Shodan pela FGK). Cara temos muito em comum e fico feliz de saber que o legado do Sensei está em boas mãos. OSS

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    1. Oss amigo! Pena que não sei quem assina! Manda teus contatos para facabrites@gmail.com. terei prazer em manter contato com você.

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  3. Lindo depoimento, Amigo Fabiano!
    No fundo é isso que nos resta: “Agradecer a Deus”por ter tido a honra e o privilégio de ter conhecido um “Grande Mestre” e eu um “Grande Homem”, convivido com seus grandes ensinamentos, sua sabedoria, suas lições de vidas tatuadas na alma.
    Assim é que me sinto em relação a meu Pai: um Homem justo, bom, honesto, leal, um Pai amoroso! Apenas eu ainda não consegui verbalizar muitos sentimentos, talvez pela dor profunda da perda, ou pelo medo de não mais vê-lo fisicamente. Mas tenho, indubitavelmente, a certeza de que os “Campos do Senhor” estavam preparados para recebê-lo.
    Esse teu depoimento só fez aumentar a minha admiração por ti, meu amigo, pelo excelente profissional que és, e pelo Homem de princípios, de coração e lealdade que te tornastes!
    Um beijo em tua alma, meu Irmão!
    Marta Predebon

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    1. Querida amiga Marta! Escreva, isso ajuda a aliviar as dores da alma. Fica de consolo que fizemos tudo o que podíamos, em ambos os casos. Sei do esforço que fizestes, e com certeza ele sabia disso também. Um grande beijo!

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  4. Meu querido amigo Moacir e posso considerá-lo Sensei, pois aprendi bastante com ele quando, nas minhas férias, ia à minha terra natal, Uruguaiana. Não pude conter as lágrimas quando soube do seu falecimento. Ele foi quem me convenceu a ingressar na FGK e quem "puxou" o meu exame para 4º Dan com a banca da CBK em Porto Alegre. Nunca esquecerei nossas conversas e seus conselhos!

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    1. Ele faz muito falta para todos nós sensei2. A academia não é mais a mesma sem ele. Obrigado por comentar. Oss

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  5. Ricardo Pinto21 setembro, 2018

    Uma homenagem linda e tocante.
    Nem sei como conheci o professor Moacir (ou, simplesmente, "Professor" como eu o chamava). O fato é que sempre tive por ele um carinho imenso.
    Realmente é um amigo que faz muita falta.
    Me alegra ver que ela era (é e será para sempre) muito querido e amado.
    Forte abraço Fabiano!
    Ricardo Pinto

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  6. Caralho cara, Moacir era meu primo, sempre quis fazer Karatê, mas por destino da vida nunca consegui, até que hoje aos 34 anos, morando no Rio de Janeiro, enfim, me tornei sensei, cara, que homenagem, me emocionei, sem mais, linda!!!

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Caro Fabiano, nunca consegui ler integralmente todo o texto dessa linda homenagem, pois simplesmente as lágrimas começam a brotar do fundo da alma! Parabéns por descrever nosso "sensei" com tanta precisão, e obrigada por registrar as palavras e as fotos. Quando procurei a academia de karatê do professor Moacir Quevedo, levei um folheto que encontrei jogado na calçada, que dizia - " Karatê-Shotokan para homens e mulheres, academia Teruo-Kan". Durante meus primeiros anos escolares sofri por ter um corpo franzino e cabelos rebeldes, fui apelidada de "vassoura de piassava", acreditei que ia aprender lutar, e um dia poderia bater em quem me jogava pedras, ou quem ria de mim, ou aqueles que faziam piada com meu nome. Quando conheci o sensei, meu sentimento começou a mudar, porque ele ensinava que o maior inimigo estava dentro de nós, e aprendendo cada dia no dojô um pouco mais sobre a disciplina do Karatê, suas regras e sua doutrina, esqueci totalmente o propósito pelo qual cheguei naquele escritório com aquele folheto na mão. Encontrei no sensei, um amigo, um grande amigo, quase um pai. Muitas vezes parei de treinar por não ter dinheiro para a mensalidade, mas quando ele me encontrava, me resgatava para treinar novamente, e lá ia eu para mais uns meses de treino até o dinheiro acabar novamente. E assim foram passando os anos, e ele sempre presente na minha vida, sempre perguntava sobre os estudos e pedia para ver o boletim escolar. Namorei, casei, tive meu primeiro filho, e voltei a treinar, participei de torneios, ganhei medalhas. E nesse processo minha amizade, meu carinho, meu amor, e meu respeito e gratidão por aquele homem só cresceu. Quanta falta nos faz o nosso mestre Moacir! Quanta saudade das conversas e dos conselhos, das gargalhadas e das piadas!
    Reconheço o quanto fui abençoada por tê-lo encontrado no auge da minha adolescência, e aprender com o melhor sensei o verdadeiro sentido do Karatê. Oss!

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    1. Minha querida amiga e irmã de gi Deusa! Obrigado por entender exatamente a tradução da minha emoção em palavras. É exatamente assim como descreves, cada um com a sua história e todas com o elo do sensei. Fico feliz por ter te tocado de alguma forma!

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